Projeto UFSCkite

Airborne Wind Energy

Visando tornar a energia eólica mais barata e viável em um número maior de localidades, a tecnologia de aerogeradores com aerofólios cabeados – ou Airborne Wind Energy (AWE), em inglês – vem sendo alvo de um número crescente de pesquisas ao redor do mundo. A ideia da tecnologia AWE é substituir as pás de um aerogerador convencional por um aerofólio (asa) capaz de se manter no ar apenas por forças aerodinâmicas ou aerostáticas. Tal aerofólio é preso ao solo com um ou mais cabos em substituição à torre do aerogerador convencional. Com isso, estima-se que os aerogeradores com aerofólios cabeados consigam produzir energia elétrica a um custo inferior ao da tecnologia convencional, além de outras vantagens importantes. Em primeiro lugar, a substituição da torre por um ou mais cabos de comprimento variável permite ao aerofólio operar em altitudes maiores, onde o vento é mais forte e consistente, o que caracteriza um potencial energético maior. Isto, por sua vez, contribui para que localidades próximas aos grandes centros de consumo tornem-se viáveis para a energia eólica. Além disso, a tecnologia AWE acarreta uma redução substancial nos custos do aerogerador, especialmente em material, transporte e instalação, devido à ausência de uma torre que deva suportar os esforços mecânicos elevados decorrentes da operação da turbina. A fundação para o ponto de ancoragem do aerofólio ao solo também se torna mais simples e barata.

Comparação entre a tecnologia eólica convencional e AWE (Airborne Wind Energy).

No caso de sistemas AWE baseados em forças aerodinâmicas sobre um aerofólio em voo, substitui-se a ponta das pás de uma turbina clássica por um aerofólio cabeado, que pode operar com geração em voo ou em solo. Na geração em voo o aerofólio é como um avião em cujas asas são montadas turbinas elétricas pequenas, leves e que operam em alta rotação. Enquanto o aerofólio descreve uma trajetória similar à das pontas das pás de um aerogerador convencional, a potência gerada resulta do produto entre a velocidade do vento que incide nas turbinas e o empuxo sobre elas. A eletricidade gerada é transmitida ao solo por um cabo elétrico embutido no cabo de tração que mantém a órbita de voo do aerofólio.

Já no caso da geração em solo, a potência gerada resulta do produto entre a força de tração do cabo e a velocidade com que ele é desenrolado enquanto o aerofólio voa em uma trajetória em forma de “oito-deitado” para maximizar a força de tração (e consequentemente a potência) sem acumular torção no cabo. Após um determinado comprimento de cabo ter sido desenrolado, o aerofólio é reconfigurado para uma condição de baixa eficiência aerodinâmica, causando uma ampla redução na força de tração. Com isso, o gerador passa a atuar como motor, recolhendo rapidamente o cabo (e o aerofólio) em uma trajetória que requer apenas um pequeno gasto de energia. Quando o comprimento inicial de cabo é atingido, tem-se um saldo positivo de energia gerada e então inicia-se um novo ciclo de operação. Devido a tal comportamento cíclico, esse tipo de sistema AWE é comumente chamado de pumping kite.

Aerogerador AWE com geração em solo no modo pumping kite.

Em resumo, as vantagens da tecnologia AWE, que deve chegar ao mercado nos próximos anos, são:

  • produção de energia mais barata (menor custo nivelado)  devido ao uso de material com menor volume e peso, de fácil transporte e instalação, menor custo de manutenção e possibilidade de operação em altitudes elevadas (600m), onde os ventos são mais fortes e frequentes;
  • considerando altitudes elevadas, o número de localidades com viabilidade econômica para essa tecnologia é muito maior, incluindo localidades próximas a grandes centros de consumo, onde ventos relativamente mais fracos em baixas altitudes (até 200m) podem impedir a viabilidade econômica dos aerogeradores convencionais;
  • unidades móveis de geração, com pequeno volume e peso, podem ser usadas para atender demandas específicas de consumo;
  • menor impacto ambiental devido à menor poluição sonora e visual, com possibilidade de deslocar a operação do aerofólio da rota de migração de pássaros;
  • unidades geradoras offshore com a tecnologia AWE requerem plataformas flutuantes menores e mais leves, as quais usam sistemas mais simples de ancoragem mesmo em águas profundas (até 700m).

Projeto UFSCkite

Atualmente existem mais de 55 grupos de pesquisa em AWE ao redor do mundo. Entre eles encontra-se o grupo brasileiro UFSCkite, pioneiro e único na América Latina, sediado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Estabelecido no final de 2012 no Departamento de Automação e sistemas, o objetivo do projeto UFSCkite é desenvolver a tecnologia AWE em âmbito nacional, alinhado com os interesses estratégicos de ciência, tecnologia e inovação do país. Com isso espera-se que, em um horizonte de 10 anos, a tecnologia desenvolvida possa ser inserida na matriz energética, beneficiando a sociedade brasileira por meio da geração de energia elétrica renovável a um custo mais baixo que o atual e em um número maior de localidades. Paralelamente a isso, as atividades realizadas pelo grupo servem de apoio à formação de profissionais qualificados e fomento à pesquisa nos níveis de graduação, mestrado e doutorado. O UFSCkite também recebe pós-doutores e estudantes de intercâmbio de outros países, colaborando, dessa forma, para o estreitamento de laços de cooperação entre as universidades brasileiras e estrangeiras.

Grupos atuando com pesquisa e desenvolvimento na tecnologia AWE, segundo levantamento feito por Schmehl (2018).

O UFSCkite desenvolve, em laboratório próprio na UFSC/Florianópolis, protótipos de sistemas AWE com geração no solo. Trata-se de um projeto bastante multidisciplinar, com ênfase nas seguintes áreas:

  • controle – diferentes estratégias são desenvolvidas para o controle de voo, controle de tração do cabo e controle (hierárquico) dos modos de operação do sistema;
  • filtragem e estimação – é necessário filtrar as leituras dos sensores e estimar parâmetros a priori desconhecidos, como os coeficientes aerodinâmicos do aerofólio;
  • sistemas supervisórios – juntamente com o desenvolvimento dos protótipos está em constante aprimoramento um sistema SCADA para interface do operador humano com o aerogerador e armazenamento de dados;
  • sistemas embarcados – as unidades de solo e de voo têm sistemas embarcados responsáveis por tarefas como sensoriamento, filtragem, controle e comunicação;
  • projeto mecânico e aerodinâmico – projeto das unidades de solo e de voo e das estruturas mecânicas para pouso, decolagem e operação do aerofólio cabeado;

Protótipos das unidades de voo (esquerda) e solo (direita) em desenvolvimento pelo UFSCkite.

  • eletrônica de potência – além da geração elétrica principal na unidade de solo (12kW), está em desenvolvimento um sistema de microgeração eólica (60W) para alimentação contínua da unidade de voo contendo atuadores e eletrônica embarcados;

  • instrumentação – para a operação do aerogerador é necessário medir e processar informações como velocidade do vento, posição do aerofólio e tração do cabo;
  • medição de vento em altitude – para viabilizar a prospecção de localidades para implantação da tecnologia AWE está em desenvolvimento uma estação de medição do perfil de vento para altitudes até 600m, de baixo custo, baseada em drone e algoritmos de tomografia acústica da atmosfera.

Conceito da unidade de medição de vento baseada em drone em desenvolvimento no UFSCkite.

Equipe do UFSCkite em apresentação do projeto no Centro Tecnológico (CTC) da UFSC, em março/2019.